Brega, Cafona e o estilo que “Cumpre seu Papel".
Imagine a cena: você entra numa sala, vê alguém com uma blusa de oncinha, uma calça metalizada e uma bolsa imitando crocodilo. Antes de pensar, você já soltou um mental “cafona!”. Ou talvez tenha pensado “isso é tão brega!”. Mas será mesmo? E mais: será que está realmente “errado”? Ou será apenas um caso típico de algo que, ainda que não seja esteticamente “bonito”, cumpre seu papel — seja ele expressivo, funcional ou simbólico?
Hoje vamos mergulhar nesse território espinhoso onde estética, gosto pessoal, julgamento cultural e moda se entrelaçam. Você pensou sobre o que significa ser brega, cafona e o tal do “feio funcional” ?
O que é ser brega?
A palavra brega carrega um peso cultural considerável. No Brasil, ela remete tanto à estética quanto à música. O termo tem origem no Nordeste, possivelmente do vocabulário de caminhoneiros e trabalhadores que se referiam assim a certos estilos exagerados ou ultrapassados. Musicalmente, está ligado a cantores como Reginaldo Rossi, Sidney Magal ou Waldick Soriano — vozes dramáticas, letras sofridas, visual exuberante.
Esteticamente, o que é o “brega”?
Visualmente, o brega é um exagero intencional. É o excesso de brilho, de babado, de animal print, de cores saturadas — tudo ao mesmo tempo. Mas o brega tem autenticidade. É um estilo que se assume, que se apresenta com uma espécie de orgulho estético. Há um quê de teatralidade. O brega quer aparecer. E não apenas isso: o brega sabe que está aparecendo.
Ele pode não seguir as regras da estética “refinada”, mas é coerente dentro de sua própria lógica. É quase performático. Se você veste brega, você sabe o que está fazendo — ou pelo menos não tem vergonha disso.
O brega já virou fashion?
Sim, e várias vezes. A moda adora flertar com o brega quando precisa de impacto. Pense em coleções da Moschino, no maximalismo de Alessandro Michele na Gucci ou nas roupas da cantora Doja Cat — que brincam com a linha tênue entre o exagerado e o provocativo. O brega é irônico, escandaloso, divertido. E por isso, ele se reinventa constantemente.
E o que é ser cafona?
Diferente do brega, o cafona tem uma conotação mais pejorativa. É aquele visual que não parece “atualizado”, mas sem intenção. É alguém que usa a peça errada no contexto errado. Não é o exagero intencional do brega, mas a desinformação estética pura e simples.
O cafona não sabe que está destoando. A cafonice vem da falta de leitura cultural, da ausência de contexto, da incapacidade de perceber códigos sociais invisíveis.
Cafona não é só questão de roupa
Você pode ser cafona no modo de falar, no tom da sua festa, na forma como você se comporta em redes sociais. A cafonice é um descasamento entre o que se pretende comunicar e o que se comunica de fato. É uma tentativa falha de parecer algo — sofisticado, moderno, elegante — que resulta em algo completamente diferente.
E o tal do “não é bonito, mas cumpre seu papel”?
Este é o território mais fascinante. Estamos falando daquelas escolhas estéticas — ou funcionais — que não visam beleza, mas eficácia. São peças, objetos ou estilos que não chamam atenção por serem bonitos, mas que têm uma função clara e específica.
Pense em:
O sapato ortopédico.
A mochila de rodinha no aeroporto.
A pochete da vovó.
A calça de elástico de quem precisa de conforto.
Ninguém usa essas peças para ser bonito. Usa porque funciona.
O que isso tem a ver com imagem pessoal?
Tudo. Porque a imagem pessoal nem sempre precisa ser bonita — mas precisa funcionar. Se você está num acampamento, numa UTI, num lava-rápido, numa aula de spinning ou numa reunião de condomínio, seu visual precisa cumprir o papel social esperado. Não é sobre parecer fashion, é sobre estar coerente com o contexto.
E mais: em alguns casos, o feio é a melhor escolha. A feiura pode ser estratégica. Pode transmitir neutralidade, segurança, autoridade, acolhimento, acessibilidade. E o mais curioso: às vezes o feio é o novo bonito, exatamente por seu grau de autenticidade e despreocupação com o julgamento externo.
Um exercício rápido — você sabe diferenciar?
Vamos brincar de análise estética. Veja algumas situações e tente classificá-las:
1. Alguém com blusa dourada metálica, brincos de argola gigantes e cílios postiços às 10h da manhã.
→ Brega. Exagerado, chamativo, mas com intenção e autoconfiança.
2. Professor universitário com camisa polo surrada, calça de tergal e sandália com meia.
→ Cafona. Peças deslocadas, mal combinadas, e ele poderia ter feitos outras escolhas mais conscientes e mesmo assim ter conforto e estar funcional.
3. Enfermeira usando Crocs rosa bebê e uniforme de algodão com estampas de ursinhos.
→ “Não é bonito, mas cumpre seu papel”. Funcional, confortável, acolhedor para o ambiente.
4. Influencer com tênis gigante “ugly shoe”, jaqueta oversized e cabelo propositalmente bagunçado.
→ Pode parecer brega para uns, mas está no território da tendência fashionista irônica — é o “brega fashion”.
Por que isso importa?
Porque julgar a estética do outro é, na maioria das vezes, uma forma de reforçar normas sociais invisíveis. E porque a moda — assim como a comunicação — é símbolo de pertencimento e exclusão.
Chamar algo de “cafona” ou “brega” pode ser uma crítica ao gosto do outro, mas também pode ser um recado: você não pertence ao meu grupo. Do mesmo modo, aceitar que algo “não é bonito, mas cumpre seu papel” é reconhecer que a estética nem sempre é prioridade. Às vezes, o papel da roupa é proteger, facilitar, representar, incluir.
A moda como campo de ambiguidade
É importante lembrar: a moda adora o brega (quando lhe convém). Ela também adora transformar o cafona em tendência (de forma cínica). E, mais recentemente, ela se apaixonou por tudo aquilo que é feio, mas tem função.
Veja o sucesso das sandálias Birkenstock, das Crocs, dos dad sneakers, das bolsas gigantes tipo “carreguei a casa”. Tudo isso vem do repertório do “feio funcional”. E esse feio tem ganhado status de “cool” exatamente por quebrar expectativas.
Mas há um perigo aí: quando o brega, o cafona ou o funcional são apropriados por quem está no topo do sistema de moda, eles ganham uma aura cult. E perdem sua autenticidade original. É como se disséssemos: “se a it-girl usou, então pode!”. Mas quando a vizinha da esquina usou, foi motivo de chacota. Isso é classe social travestida de estética.
Entre julgamentos e ressignificações
No fim das contas, talvez o problema não seja a blusa dourada, a calça de elástico ou o Crocs. O problema é como a gente olha para o outro, como interpreta os códigos e como julga o que é “aceitável” ou não com base no nosso repertório — que, sejamos sinceros, nem sempre é tão amplo quanto gostaríamos.
A estética sempre será um campo de disputa simbólica. E talvez a melhor forma de lidar com isso seja com o carinho de quem entende que tudo isso é subjetivo, mas com a clareza de quem também sabe que certos códigos sociais ainda estão em vigor, mesmo quando fingimos não vê-los.
Talvez o que te incomoda não é que algo seja brega ou cafona. Talvez o que te incomoda é que aquela pessoa não está pedindo a sua validação estética. E talvez isso seja a coisa mais bonita de todas.
Se você gostou dessa reflexão, compartilhe com alguém que usa Crocs sem culpa, que ama oncinha ou que acredita que "funcional é o novo bonito".
Nos vemos na próxima sexta!
Beijos, Iza.